Alexandra Shulman, jornalista e ex-editora da Vogue britânica, é a mais nova colunista do Business Of Fashion. Em seu texto de estreia, ela endossou o coro dos questionamentos que andam rondando o mundo da moda (especialmente, pelos, digamos, mais realistas): por que a elite da indústria fashionista é TÃO dedicada à uma aparência uniformizada e impecável?
Para quem nunca ouviu falar de Alexandra, ela foi a responsável por liderar a publicação por 20 anos – sua saída deu-se em junho passado. Foi a pessoa que sustentou o cargo por mais tempo durante toda a história da revista – vai ver ela se inspirou no reinado de Elizabeth II, dona do trono real desde 1953.
Brincadeiras à parte, em todos esses anos de carreira, Shulman trouxe propostas e olhares diferentes à Vogue.
Em fevereiro de 2013, ao lado de personalidades como Adele, J.K. Rowling e Stella McCartney, a britânica recebeu o título de uma das 100 mulheres mais poderosas do Reino Unido – a lista foi definida pelo Woman’s Hour, programa veiculado na rádio BBC.
O mais interessante é que, na descrição do perfil da ex-editora, embora, na época, à frente de uma das maiores revistas do mundo, ela é definida como alguém “empenhada em não promover dietas, cirurgias plásticas ou escrever prescritivamente imagens corporais específicas”.
E essa, provavelmente, é a característica de Alexandra que une seus lados profissional e pessoal. Tanto é que, na coluna de estreia, o tema da narrativa foi essencialmente a questão das aparências.
Tudo começou quando, ao acordar em uma manhã ensolarada na Grécia e vestir seu biquíni para aproveitar as águas estonteantes da região a bordo de um barco, ela resolveu tirar uma foto em frente ao espelho.
Sem pretensão alguma de ganhar holofotes e estrelas manchetes, o intuito ao compartilhar o clique era, segundo ela, registrar o clima tipicamente grego do cômodo: as paredes desbotadas, o tom de azul, o mobiliário rústico. Só isso.
Alguém com trajes de banho, cabelos presos e rosto nu (sem quilos de maquiagem) não deveria ser pauta para a imprensa. Mas Alexandra foi, sabe-se lá o porquê.
Quer dizer, sabemos o motivo. Como a ex-toda-poderosa-chefona da Vogue se dava o direito de estar na Grécia, o novo destino hype, sem o trabalho de uma produção digna de #ootd (outfit of the day)?
Onde estavam as grifes, a bata rendada, a rasteira bordada, as joias deslumbrantes, o cabelo em ondas ‘podrinhas’ e o trio blush+iluminador+gloss nude que garantiriam a ela uma pele naturalmente bronzeada?
Shulman conta que todas as revistas e jornais definiram sua foto como um registro heróico e valente de si própria.
Obviamente, os debates públicos renderam comentários negativos. Alguns tão absurdos chegaram a sugerir que ela estava “pagando o pato” por ter imposto imagens irreais de mulheres ao redor do mundo enquanto trabalhava na Vogue.
Assustada com as proporções que uma foto tomou, mesmo sendo parte importante da imprensa mundial há 40 anos e entendendo como ninguém as entrelinhas de manchetes do tal universo da moda, a britânica aproveitou o espaço no BOF para refletir sobre o assunto:
“Para aqueles que trabalham com moda, essa dedicação ao uniforme impecável é uma contradição interessante. De um lado, permite que a pessoa em questão se distancie das tendências. Em contrapartida, a sua própria determinação excessiva em permanecer fiel ao seu uniforme pessoal e particular demonstra uma maneira diferente de chamar atenção: um tipo de exibicionismo inverso que diz que ‘eu não me visto do mesmo modo que todo mundo se veste, porque eu quem criei isso [a tendência]”.
O desabafo da jornalista é também um balde de água fria: por mais que as ‘camadas mais populares’ (nós, meros mortais, rs) esteja lutando por uma moda mais inclusiva, empática e amigável, a elite continua condenando quem se desvia do caminho imposto por ela.